A Norma Regulamentadora nº 01 (NR-01), atualizada pela Portaria SEPRT nº 6.730/2020, estabelece diretrizes gerais para o gerenciamento de riscos ocupacionais e a segurança no ambiente de trabalho. Sua aplicação exige das empresas uma gestão rigorosa para garantir conformidade, sob pena de sanções administrativas e demandas judiciais.
A presente análise tem como objetivo examinar as inseguranças jurídicas decorrentes da NR-01, bem como os mecanismos para mitigação desses riscos. Além disso, discorre sobre a complexidade na constituição da prova do nexo causal entre doenças ocupacionais e condições individuais do trabalhador.
A fim de garantir a conformidade com a legislação trabalhista e reduzir riscos de responsabilização, a NR-01 impõe uma série de deveres ao empregador. O descumprimento dessas obrigações pode resultar na caracterização de culpa, tanto em sede administrativa quanto judicial.
1.1. Implementação do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR)
O PGR é um instrumento obrigatório para todas as organizações, exceto microempresas e empresas de pequeno porte que não apresentem riscos ocupacionais. Sua ausência ou elaboração inadequada pode ensejar penalidades e reconhecimento de responsabilidade empresarial por acidentes e doenças ocupacionais.
Os requisitos essenciais do PGR, conforme a NR-01, incluem:
∙ Inventário de Riscos: Identificação dos perigos e avaliação dos riscos associados às atividades laborais, contemplando agentes físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e mecânicos.
∙ Plano de Ação: Definição de medidas preventivas e corretivas para eliminação ou mitigação dos riscos identificados.
∙ Registro e Manutenção: Documentação acessível para fiscalização, passível de revisão periódica e atualização conforme necessário.
O PGR deve estar alinhado com outras normas regulamentadoras, especialmente a NR-07 (PCMSO), que trata do controle médico ocupacional, reforçando a relação entre riscos ambientais e impactos na saúde dos trabalhadores.
1.2. Treinamentos e Capacitação
A NR-01 dispõe que os treinamentos obrigatórios devem ser:
∙ Ministrados de forma presencial, semipresencial ou a distância, desde que atendam requisitos pedagógicos e garantam a assimilação do conteúdo.
∙ Adaptados aos riscos específicos do ambiente de trabalho. ∙ Registrados formalmente, com comprovação da participação dos trabalhadores.
A ausência de treinamento pode configurar omissão do empregador e gerar presunção de culpa em eventuais ações trabalhistas.
1.3. Gestão de Saúde Ocupacional
O empregador deve garantir a realização de exames médicos ocupacionais nos termos da NR-07, incluindo:
∙ Admissional: Avaliação inicial da saúde do trabalhador.
∙ Periódico: Monitoramento da exposição a riscos ocupacionais. ∙ Demissional: Verificação de eventuais danos à saúde decorrentes da atividade laboral.
A manutenção de registros médicos, é essencial para demonstrar a ausência de nexo causal entre a atividade laboral e determinada enfermidade.
1.4. Gestão de Terceiros e Responsabilidade Solidária
Empresas contratantes de serviços terceirizados devem assegurar que seus fornecedores cumpram integralmente as normas de segurança e saúde ocupacional. Em caso de falha, podem ser responsabilizadas solidariamente, conforme jurisprudência consolidada.
As boas práticas incluem:
∙ Exigência de comprovação do cumprimento das NRs pelos prestadores de serviço.
∙ Auditorias periódicas e cláusulas contratuais que transfiram a responsabilidade pela gestão de riscos.
A caracterização da responsabilidade do empregador em casos de doença do trabalho depende da comprovação do nexo causal, isto é, da relação direta entre a atividade desempenhada e a enfermidade diagnosticada.
No âmbito jurídico, a ausência de um gerenciamento adequado dos riscos pode levar ao reconhecimento automático do nexo causal em demandas trabalhistas e previdenciárias, resultando em indenizações por danos morais e materiais.
2.1. Critérios de Constituição de Prova do Nexo Causal
A comprovação da relação entre a doença e o trabalho pode ser estabelecida a partir de três critérios fundamentais:
2.1.1. Prova Técnica e Pericial
A perícia médica judicial desempenha papel central na análise da relação entre a doença e as condições laborais. São elementos analisados:
∙ Exames médicos ocupacionais (admissional, periódico e demissional). ∙ Laudos técnicos de condições ambientais do trabalho (LTCAT). ∙ Dados epidemiológicos e estatísticos do setor.
∙ Estudos ergonômicos e ambientais que demonstrem a exposição a riscos. 2.1.2. Doenças com Presunção de Origem Ocupacional
Algumas doenças possuem presunção legal de nexo causal, dispensando prova pelo trabalhador, salvo contraprova robusta do empregador. Exemplos incluem:
∙ Surdez ocupacional para trabalhadores expostos a ruído excessivo. ∙ Pneumoconioses para profissionais expostos a poeiras minerais. ∙ Lesões por esforço repetitivo (LER/DORT) em atividades repetitivas.
Nestes casos, o empregador deve apresentar evidências concretas de que as condições laborais não foram determinantes para o desenvolvimento da patologia.
2.1.3. Distinção entre Doença Comum e Doença Ocupacional
Em enfermidades multifatoriais, como hipertensão, diabetes e transtornos psiquiátricos, a prova do nexo causal exige uma análise aprofundada de fatores extralaborais, tais como:
∙ Hábitos de vida do trabalhador (tabagismo, sedentarismo, alimentação).
∙ Predisposição genética para a patologia diagnosticada.
∙ Histórico clínico anterior ao vínculo empregatício.
A ausência de tais elementos pode resultar no reconhecimento do nexo causal por presunção judicial.
A conclusão a que se chega, é que em qualquer situação de judicialização, será necessária a constituição de perícia judicial, e em assim sendo, quem pagará essa conta?
Para instrumentalizar os juízes na tomada das suas decisões de forma justa, imparcial e fundamentada, a empresa será obrigada a suportar além das despesas (equipe multidisciplinar ou serviços terceirizados) que passarão a ser ordinárias em razão desta NR, mas também aquelas oriundas da perícia judicial.
Ainda, questionamos: a perícia irá alcançar o cotidiano extralaboral do empregado, como a sua casa, o seu relacionamento ou a sua condição financeira? A empresa suportará investimentos financeiros que ainda assim não trarão garantia de eficiência.
A NR-01 estabelece um arcabouço normativo essencial para a prevenção de riscos ocupacionais, mas também impõe desafios às empresas, especialmente no que tange à mitigação de inseguranças jurídicas e financeiras.
A adoção de um PGR eficiente, a gestão documental rigorosa e o monitoramento contínuo da saúde dos trabalhadores são estratégias fundamentais para evitar passivos trabalhistas e previdenciários.
No que concerne à prova do nexo causal, a empresa deve estruturar um sistema robusto de documentação e perícia técnica, a fim de evitar a vinculação automática de doenças ao ambiente de trabalho.
Dessa forma, o cumprimento adequado das disposições normativas, aliado a uma gestão preventiva eficaz, contribui para a redução de litígios e para a promoção de um ambiente laboral seguro e juridicamente estável.
Assessora Jurídica e Superintendente do SINDAESP
Formação Acadêmica e Atuação Profissional
Graduada em Direito pela FIG Unimesp (2000), Drª Cynthia Gramorelli possui ampla experiência como Assessora Jurídica Empresarial e Sindical. Atualmente, é discente em Administração, ampliando sua expertise na gestão estratégica de negócios e organizações.
Especializou-se em diversas áreas do Direito, incluindo:
✔ Direito e Processo do Trabalho
✔ Direito Previdenciário
✔ Direito Empresarial
✔ Proteção de Dados (DPO e DPO Forense)
Com uma sólida carreira jurídica, atua estrategicamente na defesa dos interesses empresariais e sindicais, oferecendo suporte técnico e soluções jurídicas para a segurança e conformidade das organizações.